Tive a oportunidade conhecer uma senhora chamada Maria José, 88 anos, nascida em São Luís do Maranhão, neta de uma escrava. Compartilhei a história com meus alunos e, a partir da minha narração, eles se colocaram no papel dessa mulher e escreveram suas memórias. Destaco este texto:
Negrinha maranhense
Na minha infância, em São Luís, algo triste
aconteceu e nunca mais saiu da minha cabeça: a morte do meu irmão. Eu o havia matado? Eu era
a culpada? Neta de uma escrava e filha de um italiano minha vida não fora nada
fácil. Não fui louca e nem fiquei louca. A tragédia aconteceu porque havia uma
criança cuidando de outra criança.
Minha mãe, uma senhora baixinha e metida, adorava um baile e vivia em
festas. Uma noite saiu para dançar e me pediu para cuidar do meu irmão, um bebê.
Naquela noite ele não parava de chorar. Muito dedicada eu embalava o berço,
cumprindo o prometido. Como estranhei o
silêncio do pequeno, resolvi vê-lo mais de perto. Como era pequena, peguei uma
cadeira e aproximei-me do menino. Naquela época não havia eletricidade, então o
jeito era enxergar com uma vela. Sem querer, deixei-a cair sobre os lençóis. A
cama pegou fogo, o jovenzinho resistiu apenas um dia.
A tristeza tomou conta do nosso
lar. Minha mãe ficou doente e me deu para a minha madrinha. Acho que seria
melhor assim. O que eu faria com uma mãe ausente? Uma mãe que nem me enxergava?
Eu queria ser amada também...
O tempo passou e fui morar no
Rio de Janeiro. Um belo dia, caminhando por Copacabana, minha madrinha avistou
alguém conhecido. Era ele, meu pai, um senhor já bastante envelhecido pelo
tempo. Para mim não importava. Pela primeira vez estava vendo a imagem do meu
pai. A alegria tomou conta de mim e fui
abraçá-lo. Ele me contou que já havia outra família. Fora apaixonado por minha
mãe, mas ela era muito agressiva. Quando ele era jovem, um pouco antes de eu
nascer, inventou uma história que iria
para a Itália visitar seus pais. Nunca mais voltou a São Luís do Maranhão.
Acho que agora sei por que minha
mãe morreu tão jovem: tristeza do abandono, tristeza da morte do meu irmão,
tristeza da vida.
Nariele - Turma
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